sábado, 4 de abril de 2009

Parte 4: Antes que tudo comece outra vez


O som tocava alto no quarto trancado. A música era lenta e triste. O recinto era muito bonito, bem arrumado, o computador a um canto, e o closet com a porta entreaberta deixando a mostra as roupas montadas em pilhas separadas e organizadas.

O espelho na porta do closet refletia a garota deitada na cama de dossel, parecendo cama dessas de princesas de contos de fadas. Ela ouvia a música, refletindo cada parte dela... Ainda estava no começo da manhã. Logo o dia passaria, e o próximo também, o outro... e finalmente começaria tudo outra vez...

Um lágrima rolou por seu rosto meigo e infantil. Eve era doçura em pessoa, mas o que realmente escondia dentro de si estava guardado e lacrado a sete chaves, ou mais. Outra lágrima desceu, enquanto levantava-se da cama e limpava o rosto.

- Acorda para a vida, Evelyn! Está na hora de enfrentar seus medos... se eu for corajosa o suficiente...

...

O dia amanhecera maravilhoso. De sua cama, Marc olhou as horas. 9:30. Nossa! Nem acredito que minha mãe ainda não derrubou a porta! pensou ele, ainda deitado de bruços sobre os lençóis quentes e confortáveis. Esfregou os olhos e levantou-se. Estava animado. Fora dormir muito tarde no dia anterior. Estivera batendo papo na internet, com os amigos que fizera e que estavam distantes.

Abriu a porta e, nesse exato momento, a voz feminina que tanto gostava, mas que tanto adorava lhe reprimia em igual gritou lá de baixo.

- Marco Anthony, se você não descer já desse quarto eu vou aí em cima derrubar essa porta! Já tá tarde meu filho!

- Já levantei mãe! Não estressa!

- O que? Seu pai vai ficar sabendo disso viu!

Marc bufou lá me cima. Porque sua mãe tinha que ser assim? É só alguma horas, ! Quem é, em sã consciência que se acorda antes das 10:00 num domingo?

Mas o garoto aprendera a muito tempo que com os pais era diferente. Os grilhões e as correntes eram apertadas demais para ele falar alguma coisa... mas ele queria falar... queria falar muito... mas não podia.

- Marc Anthony, se você não parar de pensar em coisas para dizer para eles eu aí te afogar na água do vaso sanitário! - ironizou ele, fazendo uma voz fininha e deboche, na frente do espelho do banheiro.

...

Para Evelyn, a manhã transcorrera sem nenhum incidentes maiores. A não ser o vaso de porcelana que fazia tantos anos ocupava a estante da sala e se partira no chão quando ela limpava o móvel da poeira.

- Ai, ai, ai, Eve! Será que você consegue ser menos aluada um pouco?

- Desculpe mamãe. Foi sem querer. Estava tirando o pó desse estante. A senhora também nunca muda essa caco do lugar aí...

- Esse caco? Esse caco? - ela era uma senhora não muito velha, que ainda representava sua beleza, mas que parecia estar escondida sob a simplicidade e o descuido. - Então você está chamando o vaso de porcelana que ganhei de... de... presente de... noivado... de caco?

Eve ficou em silêncio. Esquecera-se completamente disso. O vaso de porcelana era uma representação de algo que nunca acontecera: o casamento da sua mãe. Porém, aquilo era algo de muito valor para ela, apesar da garota achar um bobeira guardar algo que não trazia nenhuma valor sentimental... a não ser dor e mágoa.

- Desculpe mãe! Deixa que eu arrumo isso... deixa tudo aí.

Eve retirou os 'cacos' quebrados do vaso das mãos de sua mãe, que já apresentava sinais de desmoronamento, com os olhos cheios de lágrimas. A garota não aguentou ver aquilo. Amava muito a sua mãe e não queria vê-la sofrer... mas tinha seus próprios conceitos... contudo, a mágoa dos outros era algo que poderia passar por cima dela.

Depois que arrumou tudo, e sua mãe já havia saído da sala, e se trancado no quarto, Eve foi correndo para o seu. Trancou a porta e desabou na parede do closet espelhado, deixando que as lágrimas rolassem soltas. Porque? Porque isso vai acontecer logo comigo? Porque eu não poderia ter um... pai... O amor me esqueceu.... assim como eu irei esquecê-lo...

Os pensamentos dela rodavam como em um turbilhão por sua cabeça. Porém, como uma chamada para a realidade, o celular dela vibrava e sibilava sobre a cama muito bem arrumada. Levantou-se e foi lá atender, secando o rosto com as costas das mãos.

O celular mostrava a última mensagem recebida:

'Última semana, Eve! Reunião geral no QG da Máfia XD! Sua participação é imprescindível! Ok? By: Luke'

A vida não é tão fácil assim... mas sempre temos a quem recorrer.

...

Marc recebia a mensagem no celular onde escutava música pelos fones de ouvido, sentado na mesa, acabando a refeição que sua mãe fizera naquela manhã. Refletiu as palavras que Luke lhe mandara. Deu uma risada. O amigo adorava brincar com as palavras, e sabia escrever como ninguém. Só ele mesmo para colocar passeio no shopping como 'reunião no QG da Máfia'. Mas vendo bem... é sempre onde nos encontramos, enquanto sua mãe aproximava-se dele.

- Retiro isso do ouvido enquanto está na mesa, meu filho. - disse ela, já retirando os fones. - Você não sabe que isso faz mal? Um dia você ainda vai ficar surdo viu.

- Ô mãe. Até estava baixo... não tem problema nenhum.

- Tem sim! Escute isso no seu quarto, aqui não. E ponto final. - terminou ela, olhando nos olhos dele com aquele jeito de 'é-sua-mãe-que-está-falando-moçinho'!

Na frente do garoto, seu irmão mais novo, um pirralho que oscilava em ser amável e em outra ser um completo 'purgante', debochou de Marc, sorrindo maldosamente.

- É... mãe... olha. Meus amigos, me enviaram uma mensagem agora, eles vão sair. Será que posso ir com eles?

A mãe virou-se para ele instantaneamente. Se tinha algo que ela não gostava era ver seu filho sair pela porta da frente, mesmo para ir à escola, que a enchia de preocupações, a maioria das vezes exageradas.

- Você não acha que já saiu demais não garoto?

- O que? Não! Não acho não mãe. É a última semana de férias. Logo estaremos estudando outra vez. É bom aproveitar não?

- Não, não é não. Você já foi à praia, na casa daquela sua amiga. Tá bom demais.

- Mãe, foi só por 2 dias. Eu pedi para ficar mais um, mas a senhora não quis. - protestou Marc, levantando-se abruptamente. - Eu mereço sair, não fiz nada de errado.

- Está fazendo agora, me enfrentando. Filho, você sabe que a mamãe só quer seu bem. É melhor você ficar em casa do que se meter em confusões aí com esses seus amigos... seu pai iria concordar comigo e...

- NÃO! - Marc gritara agora, chamando a atenção de sua mãe, que já virara para o fogão, onde preparava alguma coisa numa panela. - Você sempre diz isso! Sempre. Eu nunca posso fazer nada, eu nunca tenho direito de nada... droga! Eu quero ser livre ao menos uma vez po...

O palavrão ficou na metade do enunciado. Sua mãe percebera que ele falaria algo assim e se impulsionou para cima dele, com uma grande colher de pau. Ele percebeu que tivera um excesso em suas palavras, e se contraíra antes de terminar a palavra.

Correu para cima, enquanto sua mãe gritava que ele era um filho ingrato e que não fora essa a educação que deram a ele. Mas ele já não ouvia nada. Algumas lágrimas rolavam em seu rosto. Só queria ser livre! Só queria ser livre...

...


A mensagem fora respondida logo depois. Eve já sabia a resposta que sua mãe daria. Apesar dos 18 anos batendo em sua porta, era tratada como um princesa no alto de sua torre, protegida pelos dragões que estava lá fora, prontos para atacar.

Sentou na cama, afundando no edredom fofo. Analisou seu quarto, passando o olho por todo ele.

- É, Evelyn. Acho que você realmente está presa em sua torre.

Não havia como negar. Do closet profundamente arrumado e perfumado a cama de dossel finamente trabalhado, tudo ali era como uma bela e linda 'prisão', linda demais para que ele quisesse ir embora, conhecer o que estivesse lá fora. Olhou o computador com o monitor desligado ao canto.

- Mas nas torres das princesas não tinha PC! - forçando um sorriso, levantou e foi sentar em frente ao aparelho.

...

O quarto estava escuro. Marc não queria nenhuma luz acesa. A única vinha da tela do computador ligado em frente a cama. Estava sentado na poltrona, olhando para a tela, desfocado, absorto em pensamentos. Sabia que fora longe demais, nunca falara assim com sua mãe... sempre se refreara, contendo sua vontade de dizer que não queria aquilo, que não iria ser sempre o que eles queriam que ele fosse.

A Terra lhe chamou de volta com um pequeno bip que saia das caixas de som. Na tela do computador, um janela abrira e vibrara, com o pedido de atenção feito por alguém. Ao olhar bem para a tela viu quem era: Evelyn. Deu um sorriso e começou a digitar no teclado.

'Olá garota! Como está?'

'+/- ^^ levando... e vc? Deve estar mais do que ansioso para voltar as aulas ?'

'Nem me diga... mas...'

'Pensei que você estaria no shopping! Ñ recebeu a msg do Luke?'

'Recebi... mas minha mãe ñ deixou eu ir! A maior barra aqui em casa.' 'E porque vc está +/-? Não está animada com a chegada das aulas?'

'Estou Marc... mas é q... vc ñ entenderia!'

'Como assim ñ entenderia? Me explique então!'

...

Era demais para ela. Eve prendera a respiração na frente da tela. Seu coração agora batia ritmado e rápido. Seria agora o momento? Oh Deus, me dê uma luz! A luz veio com o pedido de atenção na janela aberta. A garota respirou fundo... colocou as mãos sobre o teclado, sem digitar, esperando...

...

'Não me diga que está apaixonada de novo? Vc sempre demora quando vai falar nisso!XD'

Marc estava sorrindo em seu quarto escuro e silencioso. Evelyn se tornara uma grande amigo no ano que se passara. Compartilhavam muita coisa, desde o gosto por estilos musicais até a filmes e outros assuntos que conversavam bastante. No segunda ano andavam abraçados, de mãos dadas, na maioria das vezes sorrindo de uma piada que alguém do grupo ou dos 'ataques histéricos' que Eve sempre dava de vez em quando e que animava a todos.

Ela era amável e alegre, uma grande amiga... amiga? Marc olhou a tela do computador, na janela, as últimas palavras escritas por ele: Não me diga que está apaixonada de novo? ... Apaixonada de novo... Não pode ser! Não... ele e ela... será?

Porém ele não esperou resposta, pois ela não chegaria naquele dia. Com um simples 'Tenho que ir. Bye! Até segunda.', Eve deixou o bate-papo. Marc ficou alguns minutos se entender. Olhou o relógio. Nem percebera que já estava anoitecendo. Apesar disso, já se sentia cansado, como se tivesse corrido o dia todo... uma corrida cansativa e com um fim incerto... um fim que estava longe e que ele próprio desejava estar longe.

Percorreu os olhos pelo quarto escuro. Fora só mais um dia! Logo a noite passaria, e a manhã acordaria para outro dia, passaria e a noite viria de novo, começando tudo outra vez. Precisava descansar, antes que tudo começasse outra vez... tudo começasse outra vez...

Um comentário:

  1. Seeu Nick!
    Continuo acompanhando ok? E vc continua escrevendo bem. =D

    Abraço

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